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A PROSTITUTA E A BESTA (AP 17 E 18)


Nesta visão suprema, João vê uma prostituta ricamente adornada montada em uma besta vermelha (17.1-5). Ela está embriagada “com o sangue dos santos, o sangue das testemunhas de Jesus” (v. 6). No princípio, João está perplexo, entretanto o anjo intérprete explica a visão (v. 7-18; v. Dn. 9.20-23). Reúne dois caracteres históricos, mostrando sua conexão irônica: o império romano (a besta) e Jerusalém (a “prostituta”, chamada “BABILÔNIA, A GRANDE” Ap. 17.5).


Muitos supõem que a prostituta babilônica representa a cidade de Roma porque ela repousa sobre sete colinas. A evidência, porém, sugere uma outra interpretação. Como o prof. Iain Provon da Universidade de Edimburgo observa: “Considerar a Babilônia como Jerusalém, então, é, em meu ponto de vista, um constrangimento”.[1] 1) O Apocalipse designa a prostituta como a “BABILÔNIA, A GRANDE” (17.5), quer dizer, “a grande cidade” (17.18; v. 14.8; 16.19; 18.10,16,21). A primeira menção à “grande cidade” é 11.8, que indiscutivelmente aponta para Jerusalém “onde também foi crucificado o seu Senhor” (v. Lc. 18.21). Uma ironia cruel surge nessa imagem inversa: No AT a Babilônia histórica incendeia o templo (2Cr. 36.18- 20); agora Israel se torna uma “Babilônia”, causando a destruição de seu próprio templo: Josefo registra a realidade trágica de 70 d.C.: “Os judeus tinham começado com suas próprias mãos a queimar completamente aquele templo” (Wars 6.3.5).


Jerusalém era uma “grande cidade” por causa de sua aliança (Sl. 48.1,2; 87.3; Mt. 5:35). Quando Jeremias refere-se à sua destruição por vir por intermédio da Babilônia do AT, ela a chama duas vezes de a “grande” cidade: “Como está deserta a cidade, antes tão cheia de gente! Como se parece com a viúva, a que antes era grandiosa entre as nações! A que era a princesa das províncias agora tornou-se uma escrava” (Lm. 1.1, grifo do autor; v. Jr. 22.8). A descrição de João é semelhante: “Façam-lhe sofrer tanto tormento e tanta aflição como a glória e o luxo a que ela se entregou. Em seu coração ela se vangloriava: ‘Estou sentada como rainha; não sou uma viúva e jamais terei tristeza’” (Ap. 18.7).


2) O pano de fundo aparente de João para essa prostituta (17.1-6; 19.1,2) é o texto do AT que também refere-se a Israel – Jeremias 3. Não somente há correspondências notáveis de palavras e imagens, mas de temas também. O tema de Jeremias 3 é o divórcio de Deus do reino do Norte, Israel, e sua ameaça de divórcio do reino do Sul, Judá. O tema do Apocalipse é o divórcio de Deus do NT Jerusalém/Israel (Ap. 5). O pouco espaço proíbe um tratamento detalhado dessas correspondências notáveis, mas deixe-me resumir rapidamente as semelhanças (LXX é a abreviação para a tradução grega do AT).


Em Jeremias 3.1,2, Deus cobra Judá por agir como uma prostituta (LXX: porneuô), como faz João em Apocalipse 17.1,2 (gr. porneuô). Sua maldade “contaminou a terra” (Jr. 3.1,2,9): “a terra” (LXX, hê ge 3.2) “contaminada” em Jeremias se torna “a terra” (gr. hê ge) corrompida em Apocalipse (Ap. 19.2). Deus adverte Judá no AT com base na experiência de Israel: “Dei à infiel Israel uma certidão de divórcio e a mandei embora, por causa de todos os seus adultérios” (Jr. 3.8) – isto é, quando ele permitiu aos assírios destruí-la (Jr. 50.17). O destino da prostituta do Apocalipse Jerusalém/Israel será o mesmo (Ap. 17.16; 19.2). Ao justificar a derrota de Judá do AT por Babilônia, Jeremias diz: “tu tens a testa de uma prostituta” (Jr. 3.3; RC); ao declarar no NT o caráter rebelde de Jerusalém, João observa que em sua testa havia uma inscrição “BABILÔNIA, A GRANDE, A MÃE DAS PROSTITUTAS” (Ap. 17.5). Seguramente João está lidando com as mesmas cidades.


3) A prostituta babilônica se enche do sangue dos santos (Ap. 16.6; 17.6; 18.21,24): “Nela foi encontrado sangue de profetas e de santos, e de todos os que foram assassinados na terra [gr. hê ge]” (18.24). Claro que, com a perseguição de Nero em curso (1.9; 13.5-7), Roma estava manchada com o sangue dos santos. Porém Roma tinha entrado recentemente na categoria dos perseguidores, dos inimigos de Deus; ao longo de Atos, Jerusalém e os judeus eram os principais perseguidores.[2] Além disso, Roma não era culpada da matança de quaisquer dos “profetas” do AT, como o fora Jerusalém.[3] Em relação às autoridades de Jerusalém, Estevão pergunta: “Qual dos profetas que seus antepassados não perseguiram? Eles mataram aqueles que prediziam a vinda do justo, de quem agora vocês se tornaram traidores e assassinos” (At. 7.52).


No contexto do Sermão do Monte das Oliveiras, Jesus repreendeu Jerusalém especificamente com palavras notáveis como aquelas em Apocalipse:


Por isso, eu lhes estou enviando profetas, sábios e mestres. A uns vocês matarão e crucificarão; a outros açoitarão nas sinagogas de vocês e perseguirão de cidade em cidade. E, assim, sobre vocês recairá todo o sangue justo derramado na terra, desde o sangue do justo Abel, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem vocês assassinaram entre o santuário e o altar (Mt. 23.34,35, grifo do autor).


Ou, como Lucas registra:


Pelo que, esta geração será considerada responsável pelo sangue de todos os profetas, derramado desde o princípio do mundo: desde o sangue de Abel até o sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o santuário. Sim, eu lhes digo, esta geração será considerada responsável por tudo isso (Lc. 11.50.51; grifo do autor).


Jesus menciona tanto a perseguição dos santos em Israel na era do Novo quanto do AT.


Lembre-se que ao longo do Apocalipse, o Cordeiro morto atua no julgamento de seus assassinos, os judeus (5.6, v. 5.12; 13.8; este Cordeiro aparece 27 vezes em Ap.).[4] Por que isto deveria nos surpreender? Jerusalém literalmente invoca o julgamento sobre ela por matar o Cordeiro de Deus: Todo o povo respondeu: “Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos!” (Mt. 27.25).


4) A veste da prostituta reflete as cores sacerdotais judias, escarlate, púrpura, e ouro (Êx. 28),[5] indicando o estado sacerdotal dessa prostituta e com o templo misturado com ela: “A mulher estava vestida de azul e vermelho, e adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas. Segurava um cálice de ouro” (Ap. 17.4). Josefo descreve a tapeçaria do templo cuidadosamente como “tapeçaria babilônica na qual as cores azul, púrpura, escarlate e branco foram misturadas” (Wars 5.5.4).


A taça de ouro da prostituta faz lembrar os utensílios do templo: “A maior parte dos recipientes que foram postos nele era de prata e de ouro” (Wars 5.4.4). Até mesmo o próprio templo era “adornado” com pratos de ouro e pedra branca, os quais nos remetem à prostituta “adornada de pedras preciosas e pérolas” (17.4):


Agora a face externa do templo em sua frente [...] estava por toda parte coberta com pratos de ouro de grande peso, e, ao primeiro nascer do sol, refletiu um esplendor ardente, e fez aqueles que se esforçavam para olhar atentamente se voltarem em direção oposta, da mesma maneira que teriam feito aos próprios raios do sol. Mas este templo, para os que não estavam familiarizados com ele, parecia, a uma certa distância, como uma montanha coberta com neve; devido àquelas partes não douradas, que eram excessivamente brancas (Wars 5.5.6).


A inscrição blasfema da prostituta em sua testa dá uma imagem inversa da inscrição santa no sacerdote judeu. Na testa do sumo sacerdote lemos: “Consagrado ao SENHOR” (Êx. 28.36-38); na testa da prostituta lemos: MISTÉRIO: BABILÔNIA A GRANDE; A MÃE DAS PROSTITUTAS E DAS PRÁTRICAS REPUGNANTES DA TERRA (Ap. 17.5).


5) Um contraste literário óbvio existe entre a prostituta embriagada e a noiva pura por vir. Esta justificação sugere um contraste intencional entre a indigna Jerusalém (11.8) e a nova Jerusalém (21.2) e isso deveria ser familiar a estudantes do NT (v. Gl. 4.24-31; Hb. 12.18-24). Apocalipse 17 e 21 fornecem imagens notáveis, tanto negativas como positivas. Lembre-se que João chama especificamente a noiva de a “Nova Jerusalém” dos céus (21.1,2), sugerindo seu contraste com a antiga Jerusalém (v. contrastes da nova/antiga aliança em outras passagens, Mt. 9.16,17; 13.52; 2Co. 3.7-14; Hb. 1.1,2; 3.1-6; 8.1-13). Conforme Robert Thomas nota as similaridades entre a prostituta e a noiva: “As semelhanças são muito próximas e numerosas para ser acidental”.[6] Considere apenas três exemplos dos vários que estão disponíveis (v. a seguir).


6) O Apocalipse descreve os nomes pagãos em outras passagens “Sodoma e Egito” para referir-se a Jerusalém, nomes bastante compatíveis com “a Babilônia” (11.8; v. Is. 1.9,10). Em outras palavras, no lugar de se portar como a esposa de Deus, Jerusalém se tornou um de seus inimigos – como Sodoma, Egito e Babilônia. A nova Jerusalém obviamente substituiu a antiga Jerusalém.



Um anjo apresenta João

à prostituta e à noiva da

mesma maneira:


17.1: “Um dos sete anjos que

tinham as sete taças aproximou-

se e me disse: “Venha, eu lhe

mostrarei o julgamento da grande

prostituta que está sentada sobre

muitas águas”.


21.9: “Um dos sete anjos que

tinham as sete taças cheias das

últimas sete pragas aproximou

-se e me disse: “Venha, eu lhe

mostrarei a noiva, a esposa do

Cordeiro”.


As duas mulheres têm

caráter contrastante:


17.1b: “Venha, eu lhe mostrarei

o julgamento da grande prostituta

que está sentada sobre muitas águas”.


21.9b: “Venha, eu lhe mostrarei

a noiva, a esposa do Cordeiro”.


As duas mulheres

aparecem em ambientes

contrastantes:


17.3: “Então o anjo me levou no

Espírito para um deserto. Ali vi

uma mulher montada numa besta

vermelha, que estava coberta de

nomes blasfemos e que tinha sete

cabeças e dez chifres”.


21.10: “Ele me levou no Espírito

a um grande e alto monte e mostrou-

me a Cidade Santa, Jerusalém,

que descia dos céus, da parte de Deus”.


A prostituta montada em uma besta (17.3) é irônico: Não indica identidade com Roma, mas sujeição a Roma. A imagem lembra Israel no passado subordinado a Roma, assim ela poderia atacar Cristo e seus seguidores. Josefo escreve: “Parece-me ser necessário relatar todas as honras que os romanos e seus imperadores retribuíram a nossa nação, e as alianças de ajuda mútua que fizeram” (Antiquities 14.10.1,2; grifo do autor). Usando essa influência (“Não temos rei, senão César”, Jo. 19.15), os judeus exigiram a crucificação de Cristo (Mt. 23.37-39; Jo. 19.12-16) e, constantemente, promoviam agitações contra os cristãos, assim como para envolver os romanos em sua perseguição (At. 4.27; 16.20; 17.7; 18.12; 21.11; 24.1-9; 25.1,2). “E começaram a acusá-lo, dizendo: ‘Encontramos este homem subvertendo a nossa nação. Ele proíbe o pagamento de imposto a César e se declara ele próprio o Cristo, um rei” (Lc. 23.2). Mas agora o aliado anterior de Jerusalém contra Cristo se volta contra ela e a destrói (Ap. 18.16-24).


* In: PATE, C. Marvin (organizador). As interpretações do Apocalipse: 4 pontos de vista. São Paulo: Vida, 2003, pp. 77-82.




[1] “Foul Spirits, Fornication and Finance: Revelation 18 From an Old Testament Perspective”, JSNT 64, dezembro de 1996, p. 96. Sua completa discussão do Apocalipse é extremamente útil. V. tb. Cornelis Vanderwaal, Search the Scriptures: Hebrews-Revelation, St. Catherines, Ont.: Paideia, 1979, 10.79-111. Terry, Biblical Apocalyptics, p. 426-39. J. Massyngberde Ford, Revelation (AB; Garden City, N.Y.: Doubleday, 1975, p. 54-5, 93, 259-307).


[2] V., Atos 4.3; 5.18-33; 6.12; 7.54-60; 8.1ss.; 9.1-4,13,23; 11.19; 12.1-3; 13.45-50; 14.2-5,19; 16.23; 17.5-13; 18.12; 20.3,19; 21.11,27; 22.30; 23.12,20,27,30; 24.5-9; 25.2-15,24; 26.21. V. tb. 2Co. 11.24; 1Ts. 2.14,15; Hb. 10.32-34; Ap. 2.9; 3.9; etc


[3] Jr. 2.30; Mt. 5.12; 23.29-31,34,35,37; Lucas 6.23,26; 11.47-50; 13.34; Rm. 11.3; 1Ts. 2.15; Hb. 11.32- 38.


[4] V. Ap. 5.6,8,12,13; 6.1,16; 7.9,10,14,17; 12.11; 13.8; 14.1,4,10;; 15.3; 17.14; 19.7,9; 21.14,22,23; 22.1,3.


[5] Cf. Ap. 17.4,5 com Êx. 25.2,4; 26.1,31,36; 27.16; 28.1,2, 5-12,15,17-23,33.


[6] Para mais informações, V. Thomas, Revelation 8 – 22, p. 569-74.

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